São inocentes apenas porque não sabiam?
Ana Maria Pacheco Lopes de Almeida (24/08/05 06:41)
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"E ele dizia para si mesmo que o problema fundamental não era: sabiam ou não
sabiam? Mas: seriam inocentes apenas porque não sabiam? Um imbecil sentado
no trono estaria isento de toda responsabilidade somente pelo fato de ser um
imbecil?" Ops, soa familiar? É Milan Kundera, em "A insustentável leveza do
ser." Clique e leia mais. (Valeu, Lucas Pretti, do Diário da Região)
"Aqueles que pensam que os regimes comunistas da Europa Central são
obra exclusiva de criminosos deixam na sombra uma verdade fundamental: os
regimes criminosos não foram feitos por criminosos mas por entusiastas
convencidos de terem descoberto o único caminho para o paraíso. Defendiam
corajosamente esse caminho, executando, por isso, centenas de pessoas. Mais
tarde ficou claro como o dia que o paraíso não existia, e que, portanto, os
entusiastas eram assassinos.
Assim todos acusavam os comunistas: vocês são os responsáveis pelas
desgraças do país (que está pobre e arruinado), pela perda de sua
independência (caiu sob a tutela dos russos), pelos assassinatos
judiciários!
Os acusados respondiam: não sabíamos! Fomos enganados!
Acreditávamos! Somos inocentes do fundo do coração!
O debate conduzia a essa pergunta: seria verdade que não sabiam? Ou
apenas fingiam não saber?
Tomas acompanhava esse debate (como dez milhões de tchecos), e
acreditava que haveria certamente entre os comunistas alguns que não eram
assim tão ignorantes (deviam pelo menos ter ouvido falar dos horrores que
tinham acontecido, e não paravam de acontecer na Rússia pós-revolucionária).
Mas é provável que a maior parte deles não soubesse de nada.
E ele dizia para si mesmo que o problema fundamental não era: sabiam
ou não sabiam? Mas: seriam inocentes apenas porque não sabiam? Um imbecil
sentado no trono estaria isento de toda responsabilidade somente pelo fato
de ser um imbecil?
Vamos admitir que o procurador tcheco que pedia no começo dos anos
50 a pena de morte para um inocente tivesse sido enganado pela polícia
secreta russa e pelo governo de seu país. Mas agora que sabemos que as
acusações eram absurdas, e que os condenados eram inocentes, como podemos
admitir que o mesmo procurador defenda sua pureza de alma batendo no peito:
minha consciência está limpa, eu não sabia, eu acreditei! Não é precisamente
no seu: "Eu não sabia! Eu acreditei!" que reside sua falta irreparável?
Nesse ponto Tomas se lembrou da história de Édipo. Édipo não sabia
que dormia com sua própria mãe, e, no entanto, quando compreendeu o que
tinha acontecido, nem por isso se sentiu inocente. Não pôde suportar a visão
da infelicidade provocada por sua ignorância, furou os olhos e, cego para
sempre, partiu de Tebas.
Tomas ouvia o grito dos comunistas que defendiam sua pureza de alma,
e dizia a si próprio: por causa de sua inconsciência o país talvez tenha
perdido séculos de liberdade. Mesmo assim vocês gritam que se sentem
inocentes? Como podem ainda olhar em torno de si mesmos? Como?! Não estão
espantados? Você não enxergam? Se tivessem olhos deveriam furá-los e deixar
Tebas."
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