O CASO CASOY
É muito estranho e mesmo deplorável o caso de Boris Casoy, o mais confiável
âncora da televisão brasileira, de fato, um apresentador em quem se podia
acreditar. Casoy, que não tem diploma de jornalista, dirigiu com eficiência
a Folha de São Paulo nos anos 1970/80, depois se voltou para o
telejornalismo no SBT, convidado por Silvio Santos e, há oito anos,
ingressou na Rede Record de Televisão, onde, no Jornal da Record, entre
20:15 h. e 21 h., protegia o seu numeroso público das mentiras oficiais e
extra-oficiais que trafegam livremente em algumas emissoras, em especial na
que lidera a audiência do noticiário televisivo.
O âncora da Record era uma mistura cabocla de Walter Cronkite com Tom
Brokaw, na antiga CBS News, em Nova York, conduzindo um gênero de jornalismo
que requer personalidade, conhecimento e segurança ao narrar, anunciar ou
comentar a notícia. Com anos de experiência como editor de jornal, Boris
Casoy tinha o sentimento dos fatos, era objetivo, corajoso, sabia
contemporizar, mas não perdia o senso da integridade, uma virtude rara em
qualquer forma ou escala de jornalismo. Querem um exemplo? Na campanha
presidencial, em 2002, entrevistando o candidato Lula da Silva, foi o único
entrevistador a interrogar o atual presidente sobre as ligações deste com o
Foro de São Paulo e as FARC, citando como fonte uma denúncia feita pelo
poeta Armando Valladares, o "prisioneiro de consciência" da Anistia
Internacional. (Como resposta, à época, julgando-se ofendido e não tendo
como se explicar, Lula preferiu partir para o ataque, afirmando que o
poeta-mártir - torturado durante 22 anos por Fidel Castro, nas masmorras da
ilha-cárcere - "não passava de um picareta").
Alçado ao Poder, em 2003, o esquema de Lula - o homem da Ancinav e do
Conselho Federal de Jornalismo, peças básicas e ainda não sepultadas na
conjectura da construção de uma "democracia direta" totalitária - passou a
pressionar de forma intermitente os patrões de Casoy, para colocá-lo no olho
da rua. O dito esquema só aliviou a barra, pelo que se sabe, quando explodiu
o caso Waldomiro Diniz, o braço esquerdo do Comissário Zé Dirceu
especialista em tomar a grana dos bicheiros, contraventores e tutti quanti,
ao que se diz, para enfiá-la no "caixa" de campanha. Antes, quando explodiu
o escândalo do Banestado, ficou quase impossível falar nos nomes das
personalidades oficiais envolvidas nas operações fraudulentas e até mesmo de
mencionar a amizade de Lula com o seu hospedeiro, Roberto Teixeira, o agente
de comissões e negócios junto às prefeituras de Ribeirão Preto e São José
dos Campos.
Mas, a partir do estrondoso escândalo do mensalão, o PT e o governo
retornaram a pressionar com violência a emissora da Igreja Universal para
que o apresentador fosse demitido. Na verdade, desde 2004, com a veiculação
da notícia, em tom crítico ("isto é uma vergonha!"), da compra ilegal de
ingressos de show musical para arrecadar fundos de campanha para o PT, o
Banco do Brasil, patrocinador do telejornal, atendeu a ordem superior e
reduziu a cota de publicidade na emissora, que caiu, em números exatos, de
R$ 1 milhão para R$ 300 mil mensais. Na retaliação, os anúncios foram
retirados dos intervalos comerciais do noticiário e, a partir daí,
programados em "inserções avulsas". A decisão final de nocautear o arrojado
âncora veio quando, em dezembro de 2005, ao assistir o resumo dos
acontecimentos políticos do ano, empreendido por Casoy, um áulico do
Planalto teria concluído o seguinte: "Com esse homem no ar não há hipótese
de se pensar em reeleição".
Sempre muito distinto, Casoy garantiu numa entrevista que nunca foi alvo de
censura, enquanto esteve à frente do jornal da Record, pelos donos da
emissora. Saiu, onze meses antes do término do contrato, segundo se afirmou,
porque não concordava com o novo formato do noticiário a ser produzido - e,
hoje, pelo que se vê, mero pastiche do que se faz de pior no telejornalismo
da Globo.
Por outro lado, no Congresso, semana passada, reportando-se ao fato, o
senador Antonio Carlos Magalhães, ativo coronel da política baiana, garantiu
que Boris Casoy saiu da emissora pela vontade direta de Lula - informação
que, curiosamente, não foi desmentida. De todo modo, o fato concreto é que o
telespectador perdeu a apurada consciência crítica do âncora, uma "espiga de
milho em meio ao cafezal" da acomodação que acode o noticiário televisivo.
De Casoy e, verdade seja dita, também de sua assistente, Salete Lemos,
depois de Joelmir Bething, a mais competente analista do noticiário
econômico da televisão brasileira.
O caso Casoy lembra, até certo ponto, o do jornalista Carlos Blanqui, editor
do "Revolución", jornal de grande importância na Cuba pós-revolucionária, de
início comprometido com a busca da verdade. Depois de algum tempo, vendo que
Fidel Castro fazia da ilha um posto avançado da URSS enquanto baixava a mão
nefasta da censura sobre os órgãos de comunicação, Blanqui passou a
criticá-lo abertamente. Resultado: ameaçado, teve de fugir para a Itália,
não sem antes lembrar ao tirano a divisa de Rosa Luxemburgo, segunda a qual
"a liberdade apenas para os partidários do governo, ou somente para os
membros do partido, não importa quão numerosos, não é liberdade - só é
liberdade se o for para aquele que pensa diferentemente".
E esta não é a legenda, ao que tudo indica, de Lula e aliados do tipo Tarso
Genro ou Gushiken, que querem a imprensa funcionando em favor do governo,
controlada por conselhos e comitês estatais, a punir ou marginalizar os
discordantes, como Boris Casoy, por exemplo, uma figura incômoda que levava
às massas a crua indignação em face dos escândalos diários que tornaram a
vida pública brasileira alguma coisa parecida com a zona.
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Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
( Manuel Alegre )
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