No Brasil, não há a cultura de que cada um é o defensor da lei.
No Brasil, não há a cultura de que cada um é o defensor da lei. E a lei fica desamparada. Vai-se contornando o problema, enquanto ele nos domina. Palavrório substitui ação.
Algumas das medidas estão em pauta no Congresso desde maio do ano passado, quando uma série de rebeliões sacudiu São Paulo.
Os fatos mostram que as intenções duram três semanas e depois são substituídas pelos interesses da corporação política. Agora o horror das ruas corre o risco de ser substituído pela preservação do Fundo Partidário para os grandes partidos, por exemplo.
O que aconteceu ontem no Maracanã é bem simbólico. Fez-se um minuto de silêncio e depois o jogo continuou. Há dez anos se fala nisso, quando menores de idade mataram o índio Galdino Pataxó numa fogueira de álcool, em Brasília.
Alguns dizem que agora chegamos ao fundo do poço. Engano. O fundo do poço já está muito acima de nós. Já banalizamos a morte, o horror. Fomos além do fundo do poço quando torturaram e mataram a fogo o jornalista Tim Lopes, no Rio de Janeiro, há cinco anos. Aí o país ouviu as autoridades e os legisladores falando em endurecer as leis.
Ouvimos de novo em 2003 quando a menina Gabriela, de 14 anos, foi morta a tiro na escadaria do metrô, na Tijuca, no Rio de Janeiro. E de novo ouvimos quando um menor chefiou o trucidamento de um casal de adolescentes no Embu, em São Paulo.
Nos ataques em São Paulo, em maio, ouviu-se tudo outra vez. Nos ataques no Rio, o resultado foi uma parada militar garbosa da Força Nacional de segurança pública Depois que mataram João Hélio, um pai foi morto diante do filho em assalto no Rio e outro pai foi morto a tiros por assaltante diante da filha, na garupa de sua moto em São Paulo.
É diário o crime. A reação dura um minuto de silêncio e o jogo continua. Não se combatem coisas concretas. Combatem-se abstrações. Combate-se a violência e não o bandido. Pede-se paz e não a lei. Parecer que falar em lei, não pega. Diz-se que tolerância zero não faz bem ao espírito tropical.
No improviso de posse, o presidente Lula falou em degradação social pela perda de valores, que precisa ser resolvido a partir de casa. Disse que o crime precisa ser combatido com a mão forte do estado.
Parece que o país fingiu não ouvir, porque continuava passando no sinal fechado, estacionando na calçada, jogando lixo no chão, fazendo barulho para o vizinho, sonegando, desrespeitando faixa de pedestre. Em suma, enfraquecendo a lei que quer que o proteja.
Aqui, não há a cultura de que cada um é o defensor da lei e a lei fica desamparada. Vai-se contornando o problema, enquanto ele nos domina. Palavrório substitui ação.
O crime virou criminalidade, dando mais tempo ao bandido, enquanto se pronuncia o palavrão, para inflar a estatística do horror.
Por Alexandre Garcia
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