Um país onde o Executivo legisla, o Legislativo investiga e julga e o Judiciário apenas sorri, o povo ou se entrega ou vai à luta.
20.04, 17h44
por Adriana Vandoni
No período militar a promulgação do AI-5 foi uma arbitrariedade ao “Estado de Direito”, às liberdades e garantias individuais dentre outros direitos que a humanidade tem cultivado e cultuado há séculos. Isso passou e lá se vão quase 38 anos desde que naquele 13 de dezembro o AI-5 foi baixado.
Mas a história se repete, ainda que com outra roupagem e linguagem, e este governo há de entrar para a história como o período onde mais atrocidades jurídicas foram cometidas. O sistêmico desrespeito à Constituição Federal nos faz questionar quais razões levam o Brasil a manter um Ministério da Justiça. Nem me refiro mais ao esquema de corrupção montado pelo governo, mas à séria e preocupante complacência que o Poder Público vem demonstrando diante de aberrações que podem nos levar a uma guerra civil, a uma luta de classes. O Poder Público e os Ministros fantoches deste governo delinqüente estão tratando com descaso a formação e consolidação de um movimento armado, treinado, para o qual não existem fronteiras. Estou me referindo ao nascituro de uma guerrilha rural que já está atuando no interior do Brasil.
Propriedades são invadidas, saqueadas, cidadãos são feitos reféns dentro de sua própria casa, humilhados e violentados, e têm de se submeterem às leis criadas e executadas por um grupo paramilitar que prega acabar com o direito de propriedade garantido pela Constituição Federal.
Moacir Cavol é um chacareiro do município de Coqueiros do Sul (RS). No dia 28 de fevereiro, ao chegar à sua propriedade, encontrou na porteira da sua chácara uma guarita do MST. Depois de explicar que era um pequeno proprietário, cerca de trinta homens, chamados de “seguranças”, armados com foices e facões, o escoltaram até o “líder” Hugo Castelhano que disse: “perdona compañero, no lo sabia que usted era un pequeño productor. Queda tranquilo, tranquilo que nada más lhe irá acontecer”. No dia seguinte Moacir voltou à sua chácara e seguiu a mesma rotina para receber autorização de entrada. Encontrou a sua casa arrombada e saqueada, restando apenas uma geladeira e uma mesa. Nessa hora o mesmo Hugo Castelhano chegou ao local acompanhado de outro líder do MST, o Edivaldo. Os dois garantiram que aqueles roubos não iriam mais acontecer, eles não iriam permitir nem que para isso tivessem que “matar dois ou três e enterrar os cadáveres no mato”.
Será que a Constituição desse bando é diferente da Constituição da República do Brasil?
O mais interessante foi a explicação dada para os roubos: para recrutar um número elevado de invasores, o MST fazia um “arrastão” aos arredores de várias cidades, e dentre eles muitos eram bandidos. É básico ou não é? Diferente do que os líderes do MST garantiram ao Moacir, os roubos continuaram. Vários animais foram mortos, cercas foram derrubadas, a lavoura foi destruída, enfim, acabaram com o trabalho de uma vida toda.
Uma semana depois da invasão, Moacir, ao chegar novamente à sua chácara, foi recebido por cerca de 20 homens armados com foices que o ordenaram a sair do seu carro, um fusca, e os acompanhar. Moacir foi levado até De Bonna, o coordenador do MST local. De Bonna o comunicou que precisavam da sua chácara por ser um ponto estratégico e, por isso, queria que Moacir pedisse o preço que desejasse pela chácara. O assegurou de que não discutiria o valor, pois “dinheiro não é problema para nós”.
De onde será que vem esse dinheiro? Reparem a contabilidade do grupo. Cada invasor recebe R$ 20,00 por dia, além de mais três cartões do bolsa família, com a promessa de receber cerca de 30 hectares que podem ser vendidos por uns R$ 300.000,00. Os líderes, segundo relato, possuem uma caixa de cartões desses e, quando necessitam, vão ao banco e retiram o quanto de dinheiro precisam. Bem, podemos então dizer que nós estamos financiando esse bando?
Apesar da proposta, Moacir se recusou a negociar e passou a noite toda recebendo ligação do De Bonna insistindo na negociação. A partir desse dia, Moacir passou a ser revistado toda vez que queria entrar em sua propriedade, e por diversas vezes seu “fusca” foi revirado pelos “seguranças” que o avisaram: “já que você não quis nos vender vai ver o que vai acontecer com o resto da sua chácara”. Como de fato ele viu.
O relato acima pode ser comprovado na ocorrência policial no 1.350/2006 de 11.03.2006 na delegacia de Carazinho – RS.
Intrigante mesmo é o fato do movimento ter como coordenador um homem chamado De Bonna e um líder de nome Hugo Castelhano. Ambos, mau e porcamente falam nosso idioma. É provável que não tenham entrado no país pelas vias legais e nem precisam, afinal, vivem nos arredores de propriedades rurais, onde investigam, julgam e executam seguindo as normas que eles mesmos legislam.
Lembro-me bem da determinação de um Juiz Federal obrigando a identificação de todos os cidadãos estadunidenses que passassem pelas fronteiras brasileiras, medida que achei correta naquele período, apesar de entender que a formulação de política externa seja uma função do executivo. Hoje eu me pergunto: e os estrangeiros que aqui se instalam ilegalmente e atuam politicamente? Interferem de forma vil na organização do Estado, cooptam brasileiros miseráveis e miseráveis brasileiros para atuarem contra a organização política e social do seu próprio Estado.
É, falta-nos Justiça e quando isso acontece, está instalada a insegurança nacional. No regime militar o governo elaborou o AI-5, uma Lei absurda, mas que concedia ao Estado a prerrogativa de cometer arbitrariedades. Hoje a nossa situação é ainda pior, pois as arbitrariedades são cometidas ao arrepio da Lei, com a complacência, a conivência e a salva-guarda do governo.
Um país onde o Executivo legisla, o Legislativo investiga e julga e o Judiciário apenas sorri, o povo ou se entrega ou vai à luta.
Sei que com este artigo posso estar entrando em um mundo obscuro, mas estou fazendo minha parte como cidadã.
Adriana Vandoni é economista, especialista em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas/RJ e articulista de A Gazeta. Blog: www.argumento.bigblogger.com.br
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