O respeito se foi
Por Liliana Pinheiro
Dadas as circunstâncias políticas, morais e éticas que cercam o Planalto nesses tempos, não há como condenar a virulenta reação de Ronaldo à observação do presidente Lula sobre seu peso. O atacante repetiu com todas as letras que dizem que o chefe da nação “bebe pra caramba”. Dadas as circunstâncias, também ninguém há de colocar reparo na frase de Roberto Freire (PPS) para explicar nesta sexta por que seu partido não fará aliança com Lula e seu PT: “Com ladrão, não”, disse.
Dias atrás, o senador Antonio Carlos Magalhães não foi menos objetivo ao definir o presidente: “Um grande malandro de cinismo total”. Como tem gente que não gosta quando coloco ACM nos meus textos, dado que o político bem poderia merecer comentário idêntico ao que fez, vou para outras plagas, lá no campo da extrema esquerda. “Lula está tranqüilo, com 63%, igual cavalo de 7 de Setembro, cagando e andando.” A mui cortês observação foi feita por Antonio Arruti, líder do MLST, em reunião com a militância do movimento para preparar a invasão da Câmara.
Escolhi apenas algumas das frases ditas na semana que passou para mostrar a quantas andam as manifestações públicas que envolvem a figura do presidente. Se retrocedesse um pouco mais no calendário, o resultado não seria diferente, talvez até ficasse bem pior. O desrespeito é total, não é de hoje.
Com Lula, sem dúvida, o Brasil caminhou depressa na escala da deselegância verbal. Já nem nos lembramos do tempo em que “neoliberal” era o maior dos xingamentos, e “neobobo”, a mais fulminante réplica. Lá atrás, quando o nível de debate era outro, trocas de farpas desse quilate punham todo o noticiário abaixo, mesmo o mais relevante, para que as manchetes dos jornais fossem a “tensão” na política.
Hoje, classificar um presidente da República de ladrão, malandro ou compará-lo a um quadrúpede em situação escatológica vai para pés de página, quando muito com direito a reprise nas colunas de frases. No caso de Ronaldo, será diferente, mas não porque Lula foi tomado por bebum — coisa até já ocorrida mais vezes —, e sim porque quem disse a frase foi o Fenômeno, no dia da abertura da Copo do Mundo.
Percebo também nesse episódio — não bastassem tantos outros — sinais preocupantes no horizonte político brasileiro. Uma parcela importante da sociedade, a dos formadores de opinião e de suas fontes de informação, não se dá mais ao trabalho ter deferência pela instituição da Presidência da República nem por dever cívico. Jornalistas não perdem tempo em avaliar o que diz chefe da nação sobre assuntos administrativos e políticos — até porque foram por mais de três anos impedidos de manter diálogos formais com ele —, cumprindo apenas a tarefa de anotar suas frases para o relatório diário. Há mesmo redações que já não destacam repórteres para acompanhar os monólogos de Lula, há muito sem outro sentido que não o da autopromoção.
O Fenômeno goleou? É evidente. O grito de indignação com o nível da política, que estava parado na garganta de muita gente, saiu assim que o craque entrou no campo eleitoral. Mas há que se notar que Ronaldo representa a bandeira do Brasil e nem piscou ao lembrar da fama cachaceira do presidente do mesmo país, diante de toda a imprensa internacional. Merecidamente, no caso de Lula, o respeito está em baixa. O problema vai ser administrar essa herança da esculhambação daqui para a frente. Com ele ou sem ele no comando do país.
[liliana@primeiraleitura.com.br]Publicado em 9 de junho de 2006.
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