"Relendo algumas frases antológicas de Rui Barbosa quedo-me a refletir sobre o tempo que nos distancia da lição imorredoura de Rui, da "missão do advogado a quem atribuiu também desenvolver uma espécie de magistratura", ou do conselho de paraninfo: "Não servir sem independência à justiça, nem quebrar da verdade ante o poder. Não fazer da banca balcão, ou da ciência mercatura". Mero tocador de tambor que, como eu, só teve no currículo da escola castrense perfunctórias noções de Teoria do Estado, no âmbito do Direito Constitucional, o que me parece incorreto pode ser exatamente o contrário. Daí, por exemplo, a estranheza com que leio um ex-ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso, festejado criminalista, contratado pela companhia de navegação aérea norte-americana, dona do jato Legacy, eximir de culpa, antecipadamente às investigações, os pilotos americanos envolvidos no trágico acidente que levou à morte 154 pessoas. Dele, criminalista eminente, doutor José Carlos Dias, ouvi declarações categóricas sobre o procedimento supostamente correto dos pilotos americanos do jato, que — se indubitáveis — inculpariam definitivamente o sistema brasileiro de proteção ao vôo e a inutilidade do Sivam, que nos custou mais de R$ 1 bilhão. Tal insólito argumento justifica a arrogância da American Airlines, que acaba de proibir, em represália, os vôos para o Brasil. É de supor que, por mais brilhante que seja a cultura polimorfa do emérito criminalista, pouco conhece ele a respeito de plano de vôo, de altitudes ímpares e pares para evitar choques de aeronaves trafegando em direções inversas na mesma altitude, de equipamentos de tecnologia de ponta que alertam os pilotos para impedir colisões no ar. Tudo isso é posto no lixo, porque o doutor repete as palavras dos possíveis responsáveis pela dramática ocorrência que enlutou a nação. Para ele, as palavras dos pilotos do Legacy — especialmente por serem ambos norte-americanos, o que suporia maior competência profissional — valem por destruir as provas que a Aeronáutica vem colhendo com absoluta isenção. Guarda-se de temerária precipitação de imputar a quem quer que seja a responsabilidade pelo erro, antes de concluir totalmente a causa da colisão fatídica. A leitura dos jornais conduz a admitir que os pilotos estrangeiros descumpriram todas as regras de segurança vigentes não apenas no espaço aéreo brasileiro, mas adotadas no mundo desenvolvido. A conduta do doutor Dias me lembra o que me contou um amigo advogado. Quando aluno do grande criminalista Serrano Neves, deste ouviu a primeira lição de direito criminal. Um criminalista, certa noite, recebeu um telefonema de um amigo fraterno, que lhe disse: "Não resisti a uma insuportável crise de ciúme e suspeita de minha mulher. Acabo de matá-la". Serrano Neves respondeu-lhe: "Diga apenas, a quem o ouvir, que consta que você a matou. Espere até eu chegar à sua casa". Semelhante à lição de Serrano Neves deve ter sido a do ilustre criminalista ministro Thomaz Bastos, por vezes várias, na defesa do presidente Lula. A primeira foi quando Roberto Jefferson denunciou o mensalão. Ficaria muito mal ao presidente, que desafia quem melhor que ele possa discutir ética, revelar-se que seu partido comprou votos dos vendilhões da democracia representativa. Então o criminalista, melhor que o mestre Serrano Neves, nem admitiu o consta. Orientou o governo a optar pelo crime menor: a caixa 2. O presidente terá seguido à risca a opção. Em Paris, disse logo que "dinheiro não contabilizado" é prática tradicional nas eleições brasileiras. O governo, sempre contrário às CPIs, providenciou uma: a do mensalão. Cuidadosamente impôs o presidente e o relator, amigos leais. Embora não votado o relatório, o relator concluiu que não houvera mensalão. Agora, a orientação é diferente: provar que o dossiê do R$ 1,7 milhão que incriminam claramente destacados petistas, foi obra de petistas "aloprados". A origem do dinheiro, a cúpula da Polícia Federal, cuja associação dos delegados protesta contra o seu uso para fins políticos, só revelará o que sabe depois do segundo turno. Entrementes, Berzoini é mais um das dezenas dos "homens do presidente" dispensados das sucessivas direções do PT e sua "organização criminosa", assim denunciada pelo probo procurador-geral da República. O ato, disse à mídia um petista de alto coturno, "era necessário para proteger Lula". A demissão a pedido do corrupto Waldomiro, flagrado em extorsão, e jamais processado, vale mais que o dedicado e mudo (como convém) "companheiro" defenestrado da presidência do PT, para que Alckmin tenha a audácia de discutir ética com Lula, o implacável Catão. Mais tarde o reabilitará, melhor que Stalin, que só reabilitava após a morte, quando reabilitava."
JARBAS PASSARINHO
Foi ministro de Estado, governador e senador.
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