LESÃO CEREBRAL OU CULTURA DA SEM-VERGONHICE
por Maria Lucia Victor Barbosa, socióloga
Atualmente algumas pessoas que se envergonham de serem brasileiras,
perguntam: "Será que nosso povo perdeu a vergonha, pois acha natural
tudo o que esse governo faz e ainda o reelege" Bem, isto faz parte de
uma longa história, a nossa história, e seria necessário escrever um
"Tratado de Sociologia da Sem-vergonhice" para formular resposta
adequada. Em todo caso, tentarei dá-la, ainda que de modo bastante resumido.
Começo lembrando uma interpretação biológica baseada em leitura da Folha
de S.Paulo, de 22/03/07. Segundo o jornal, neurocientistas pesquisaram e
levantaram a hipótese de que existe uma parte específica do cérebro,
(córtex prefrontal ventromedial) onde se alojam emoções, e que parece
ser crítica para certos aspectos da moralidade. As pesquisas feitas com
grupos de pacientes que apresentavam lesão nessa região cerebral
mostraram que eles exibiam menos empatia, compaixão, culpa, vergonha e
arrependimento.
Se analisarmos o governo que aí está notaremos que nunca dantes nesse
país, autoridades, que deveriam dar bom exemplo, tiveram tão pouca
empatia ou compaixão com relação ao povo. Vimos idosos de noventa anos
ou mais em filas para provar que estavam vivos. A Saúde é um descalabro
e nos atendimentos do SUS se observa a crueldade dispensada aos doentes.
A violência vai vitimando, inclusive, crianças como João Hélio que foi
morto barbaramente no país da impunidade e da indiferença dos
governantes para com a dor alheia. Rebaixaram os rendimentos da poupança
para premiar os grandes investidores, prejudicando os menores. O FGTS
poderá ser afetado do mesmo modo e o trabalhador, que sempre votou no
Partido dos Trabalhadores, vai perder renda se perder da inflação. O
apagão aéreo parece divertir o governo que nega a crise, enquanto o
presidente da República finge que está tomando providências. A lista de
maldades é vasta, sendo impossível enumerá-las todas em curto artigo.
Quanto aos sentimentos de culpa, vergonha e arrependimento inexistem. O
presidente da República nada sabe, nada vê, se permite brincadeiras
grosseiras como a do ponto G e deixa a vida levá-lo, que a vida dos
poderosos é doce e boa. José Dirceu faz festa de aniversário, recebe
Delúbio, "os quarenta" e muitos mais. Dizem que o ex-guerrilheiro é
consultor regiamente pago em moldes capitalistas, não ficando claro que
tipo de consultoria ele dá. Pode-se apenas imaginar. Não se sabe se seu
fiel auxiliar, Waldomiro Diniz, ou o gerente do PT, Marcos Valério,
estavam presentes à festança. Mas, se não estavam, devem continuar
festejando por aí, enquanto no Congresso mensaleiros e sanguessugas
voltaram e tiveram seu contingente ampliado. É como se dissessem: Se o
Executivo mandar, faremos todos.
Quanto à maioria dos brasileiros, se fosse estudada pelos
neurocientistas provavelmente seria apontada como portadora da tal lesão
cerebral. Mas, como penso que as teorias sobre o cérebro ainda
engatinham nos caminhos da ciência, prefiro a opinião de Michael Koenigs
que afirmou: "a reação da maquinaria emocional com respeito a questões
morais é sem dúvida moldada por forças culturais".
Em se tratando de cultura entendida como o complexo de valores,
comportamentos e atitudes de uma dada sociedade, é válido afirmar que
desde tempos coloniais fomos dúbios em questão morais. Individualistas
por excelência. Preferimos nossa adorável bagunça à organização das
associações baseadas em trabalho competente. Buscamos privilégios sem
merecê-los. De nossas matrizes étnicas herdamos o culto ao ócio
abençoado, o jeitinho, a festa, o atraso. E pesou sobre nós a Igreja da
Contra-Reforma e da Inquisição.
Hoje em dia continuamos a viver atrás de facilidades preferivelmente
alcançadas por esperteza ou doação de alguma autoridade paternal. Não
temos de modo geral o sentido de conquista no tocante ao esforço
pessoal, não nos faltando, porém, a capacidade predatória. Não sabemos
exercer o poder, mas tão-somente nos beneficiar do poder. Simulamos
democracia, mas somos autoritários. Preferimos sempre culpar alguém ou
algo para nos eximirmos de nossas responsabilidades. Somos ufanistas com
relação à nossa cultura da malandragem e da sem-vergonhice.
Recentemente chegamos ao fundo do poço. A ausência total de valores
estimula a mentira e a corrupção. O mínimo de moralidade pública e
privada foi corroída no país onde todos são "heróis".
Será que o povo brasileiro sofre de lesão cerebral? Não creio, pois isto
nos eximiria de qualquer responsabilidade. Prefiro dizer que levamos ao
paroxismo a cultura da sem-vergonhice, consentida e consciente, aquela
que as mais altas autoridades esbanjam como patrimônio nacional. Na
pátria de Macunaíma quem rouba, faz. Quem mata tem seus direito humanos
preservados. Afinal, somos todos éticos e "não existe pecado do lado de
baixo do Equador". Não há do que se queixar.
Meu Blogg, aberto a visitação e comentários:
http://mangel2007.blogspot.com/
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