Não acredito na inclusão em programas de transferência de renda como a melhor forma de ajuda. Dar o peixe só não adianta. É preciso dar o anzol para a pesca
Perto da família, longe do crime
Para evitar que menores voltem a cometer delitos, estado pretende ajudar
parentes de infratores
Ruben Berta
Além de criar uma força-tarefa para sanear os problemas das unidades de
internação de menores infratores, conforme O GLOBO noticiou ontem, o
governo estadual vai apostar na reconstrução dos laços familiares para
ressocializar esses jovens. Até o fim de julho, a Secretaria de
Assistência Social e Direitos Humanos pretende lançar um projeto de
auxílio para os parentes dos mais de 1.800 adolescentes que, atualmente,
estão sob a guarda do Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas (Degase).
Está prevista a inclusão dos familiares carentes no programa Bolsa
Família, do governo federal.
— Atualmente, a questão dos infratores vem sendo tratada apenas com o
foco no menino e no delito que ele cometeu. Temos que entender que o
contexto familiar pode não ser determinante para um erro, mas, com
certeza, é para o acerto. Por trás da vida desses garotos, quase sempre
há famílias desestruturadas, principalmente pela pobreza — afirma a
subsecretária estadual de Assistência Social e Descentralização da
Gestão, Nelma de Azeredo.
Estado pode criar um novo auxílio Ela espera começar, nos próximos
dias, as primeiras entrevistas com os parentes dos infratores, para
chegar àqueles que poderão ser beneficiados pelo programa federal de
transferência de renda. O Bolsa Família tem uma escala de pagamento que
vai de R$ 15 a R$ 95 mensais, conforme o nível de pobreza e o número de
filhos em idade escolar. Caso as famílias não se encaixem no perfil do
programa, Nelma não descarta a criação de outro tipo de auxílio: — É uma
hipótese remota, mas, se identificarmos uma necessidade de repasse de
renda e os familiares não tiverem perfil para o programa federal, nada
nos impede de criar outro projeto de ajuda financeira.
Apesar de o governador Sérgio Cabral, na sexta-feira, ter determinado
uma intervenção no Degase, Nelma afirma que o projeto está garantido.
Ainda não há previsão de custos ou necessidade de contratação de equipe
para a realização do programa.
Além de um eventual auxílio financeiro, o projeto incluirá o
acompanhamento psicológico das famílias.
A intenção do estado é contar com parcerias com os municípios para a
realização desse acompanhamento.
— Vamos dar assistência à família do menor, independentemente de quem
estiver no comando do Degase — garante a subsecretária.
Direitos iguais para todos os menores Ainda de acordo com Nelma, o
atendimento do programa será feito de forma igual para todas as famílias.
Ou seja, o menor que cometeu um homicídio, por exemplo, terá o mesmo
direito de outro que praticou um delito mais leve, como furto. Não serão
só os pais do adolescente que poderão ser beneficiados. Se o jovem
tiver, por exemplo, uma companheira e um filho, os dois poderão ser
incluídos no novo programa.
— Quem julga o delito é o Judiciário.
O atendimento à família tem de ser igual para todos. Se o menor matou,
feriu ou roubou, isso foge à esfera da assistência social. O crime tem
de ser punido, mas também entendemos que as pessoas precisam de
oportunidade — comenta Nelma.
A idéia de dar auxílio às famílias dos infratores não é propriamente uma
novidade. De acordo com a presidente regional da Associação de Mães e
Amigos da Criança e do Adolescente em Risco (Amar), Valéria Oliveira,
durante a gestão da ex-governadora Rosinha Garotinho, um grupo de
parentes de menores chegou a receber a promessa se ser incluído no
programa Cheque-Cidadão. A idéia, no entanto, não vingou.
— O governo tinha prometido, inicialmente, cem cheques (de cem reais
cada, um auxílio mensal), mas depois não deu em nada. De qualquer forma,
não acredito na inclusão em programas de transferência de renda como a
melhor forma de ajuda. Dar o peixe só não adianta. É preciso dar o anzol
para a pesca. O ideal são ações voltadas para o emprego, talvez com a
formação de cooperativas de mães e parentes dos menores — diz Valéria.
A subsecretária Nelma garante que não faltarão recursos do Bolsa Família
para incorporar as famílias dos infratores ao programa. Segundo ela, o
Estado do Rio não vinha cumprindo a meta estipulada pelo governo
federal. Com isso, haveria uma sobra de cem mil benefícios.
Além do Bolsa Família, outra iniciativa deve ser incorporada ao projeto,
para o incentivo ao emprego. É o Programa de Atendimento Integral à
Família (PAIF), lançado pelo governo federal. Serão oferecidas diversas
ações culturais, esportivas e de qualificação profissional. O
públicoalvo vai de crianças a idosos pertencentes ao núcleo familiar.
A criação de um programa de assistência à família dos infratores foi bem
recebida por especialistas no tema. Apesar de ser um dos mais fervorosos
críticos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o desembargador
aposentado e exjuiz de Menores Alyrio Cavallieri diz que concorda com a
iniciativa.
— Apesar dos inúmeros erros do ECA, já está prevista nele a medida de
liberdade assistida. O estatuto diz que, nesse caso, o menor infrator
ficará em liberdade, mas será acompanhado, auxiliado e orientado.
Esse orientador, que pode ser uma instituição ou pessoa, deveria ficar
responsável pelo atendimento ao adolescente ou à sua família, com
inclusão em programas de assistência social, profissionalização e
acompanhamento escolar.
Coordenador da ONG Projeto Legal, voltada para a proteção de direitos
humanos de crianças e adolescentes, Carlos Nicodemos diz que o auxílio à
família é fundamental.
No entanto, ele teme que o caráter do programa estadual possa não ser de
ressocialização: — Tomara que isso não acabe se tornando uma medida de
controle social das famílias. Atualmente, o tratamento dado às mães dos
jovens tem sido muito ruim. Para entrar nas unidades de internação, elas
precisam ficar nuas para ser revistadas.
A assistência aos parentes é mais do que uma ação estratégica, é uma
necessidade.
Nelma afirma que estão sendo tomadas todas as precauções para que as
famílias sejam incorporadas ao programa sem exposição de suas
identidades ou da do menor infrator.
Simone Moreira, coordenadora de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente da Defensoria Pública, elogiou a iniciativa.
— É uma das melhores ações dos últimos tempos. A família é responsável
pela estrutura, pelo limite. Sua presença é importantíssima para a
ressocialização do menor.
'O contexto familiar pode não ser determinante para um erro, mas, com
certeza, é para o acerto. Por trás da vida desses garotos, quase sempre
há famílias desestruturadas' NELMA DE AZEREDO Subsecretária estadual de
Assistência Social e Descentralização da Gestão
'Não acredito na inclusão em programas de transferência de renda como a
melhor forma de ajuda. Dar o peixe só não adianta. É preciso dar o anzol
para a pesca'
VALÉRIA OLIVEIRA Presidente regional da Associação de Mães e Amigos da
Criança em Risco
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