A vinda do presidente Bush ao Brasil, que muitos dizem, com razão, ser tardia para barrar a influência exercida por Hugo Chávez, suscita algumas reflexões sobre o agudo sentimento antiamericano, existente na América Latina, que, se sempre existiu, agora está exacerbado. O que motiva isso?
Por volta de mil e setecentos, as colônias que compunham os impérios espanhol e português pareciam sinalizar para um futuro rico e pleno de êxito, se comparadas com as da América do Norte. Entretanto, fatores culturais, ligados ao tipo de colonização e gerados ao longo do processo histórico, conferiram destinos diferentes às Américas do Norte e do Sul.
Os Estados Unidos, de país agrícola produtor de matérias-primas, trocadas por produtos industrializados, se converteram em potência industrial e na nação mais poderosa do mundo. Ao poderio industrial, financeiro e bélico, os norte-americanos adicionaram o primado científico e, a partir de 1923, começaram a conquistar prêmios Nobel de medicina, de física, de química. Os norte-americanos foram os primeiros a fazer a bomba atômica, o reator nuclear, a mandar o homem à lua. Práticos, objetivos, criativos, determinados, eles construíram uma "novus ordo seculorum”, a partir do espírito liberal, que privilegia a democracia e o respeito às leis.
Em sua obra, “A Democracia na América” (1835-1840), observou Aléxis de Tocqueville, sobre os Estados Unidos: “Os homens ali se mostram mais iguais pela riqueza e pela inteligência ou, por outras palavras, mais igualmente fortes do que em qualquer outro país do mundo e do que em qualquer outro século relembrado pela história”.
É brilho demais a ofuscar, de modo insuportável, os latino-americanos que, no fundo, sonham ser os Estados Unidos e não conseguem.
Não precisaríamos ter tido uma história de fracassos, mas a questão foi que tivemos uma “embriogenia defeituosa” e, tanto nas colônias espanholas, quanto na potuguesa, surgiram “sociedades invertebradas” sem, como diria Ortega y Gasset, “a potência verdadeiramente substancial que impulsiona e nutre um processo nacional: um projeto sugestivo de vida em comum”. Não tivemos a “comunidade de propósitos” das colônias inglesas, aquele elo que faz com que grupos integrantes “convivam, não, por estar juntos, mas, sim, por fazer algo juntos”.
O que prevaleceu, na América Latina, foram as sociedades desiguais; o isolamento entre as camadas sociais; a falta de “minorias seletas”, que comandassem o processo emancipatório; a inexistência do espírito associativo, substituído pela vivência, no pequeno mundo familiar ou clânico; os governos perdulários; os caudilhos incompetentes. A soma de tais fatores gerou o atraso econômico e, sobretudo, a mentalidade do atraso.
No nosso subdesenvolvimento político e econômico, onde a corrupção é endêmica, padecemos como se vivêssemos exilados em terra própria. Sentimentos contraditórios, de altivez e inferioridade, nos acometem e, na ânsia de nos libertarmos da síndrome do fracasso, cujas raízes se prendem ao passado, preferimos descarregar nossa frustração em possíveis culpados, aqueles que seriam responsáveis pelos problemas que nós próprios criamos. Culpamos, de Colombo a Bush, por nossas fraquezas e mazelas. Só nos esquecemos de perguntar o que fizemos a nós mesmos.
Jean-François Revel, na introdução à obra de Carlos Rangel, “Do Bom Selvagem ao Bom Revolucionário”, afirma que “a história da América Latina prolonga a contradição, que lhe deu origem. Oscila entre as falsas revoluções e as ditaduras anárquicas, a corrupção e a miséria, a ineficácia e o nacionalismo exacerbado”. Conclui dizendo que “o êxito, insolente, dos Estados Unidos”, tornou-se um fator adicional de amargura para nós.
Para nos contrapormos, aos nossos males, devemos nos tornar socialistas. Seríamos revolucionários de esquerda. Mas, como disse Roberto Campos, “como pessoa física, somos comunistas, como pessoa jurídica, somos capitalistas”. Não suportamos o liberalismo, que nunca tivemos. Não importa se o socialismo, em toda parte em que foi implantado, acabou com a liberdade, anulou o indivíduo, subjugou, através do Estado tirânico. Se, antigamente, gritava-se "fora ianque", hoje, é a mesma coisa. Ficamos paralisados no tempo, como aquelas músicas mexicanas, tipo “Cucurucucu Paloooooomaaaaaaaaaaaaa”. Somos incapazes de “virar o disco”.
Na visita de Bush, vejo manifestações de nossas "garbosas" esquerdas, agitando bandeiras vermelhas pelo Brasil afora. Não aparecem passeatas ou manifestações contra a corrupção, a violência, os impostos escorchantes, a má qualidade da saúde e da educação, o pífio crescimento econômico.
A realidade, porém, é que não podemos viver sem capitalismo e até a China restituiu ao povo a propriedade privada. Nós, filhos dependentes do pai-Estado, estamos felizes, transferindo nosso capital para os políticos profissionais ou para países amigos como, por exemplo, a Bolívia.
Yes, nós amamos Chávez e odiamos Bush.
Por MARIA LUCIA VICTOR BARBOSA
Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.
mlucia@sercomtel.com.br
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home