PIB novo e folga para crescer
O Estado de S. Paulo
Dionísio Dias Carneiro*
Os novos dados do PIB informados pelo IBGE são uma boa notícia. Refletem
melhor a produção de bens e serviços no País, por levar em consideração
as mudanças na composição da produção que ocorreram nos últimos anos. A
nova série mostra maior amplitude de variações, justificando as
advertências de Francisco Lopes, da Macrométrica, para o amortecimento
artificial que a metodologia anterior provocava nas séries. Para os
usuários, melhorou a qualidade técnica das informações.
E isso, por mais trabalho que dê para refazer modelos e recalibrar
projeções, melhora a confiança nos resultados dos que olham para o
futuro da economia, a partir dos dados do passado e das tendências do
presente. Para os responsáveis pela política econômica, a melhor
qualidade dos dados poderia permitir maior confiança na qualidade da
política econômica que deles resulta. No caso brasileiro, há três razões
para se suspeitar de que isso não ocorrerá.
A primeira é a desconfiança de que o atual governo pretenda fazer uso da
informação como propaganda, como sugere a criação de uma secretaria que
'coordenará' as ações do governo nessas áreas. Nessa tendência, tem-se
enquadrado a maioria das declarações do ministro da Fazenda sobre o PIB.
A segunda é que os dados mostram claramente que foram os gastos do
governo e o consumo das famílias estimulado pelo crédito e pelas
transferências (fatores de demanda), e não os fatores que sinalizam a
expansão maior da oferta futura, como o investimento, os esforços para
melhorar a educação e a pesquisa, os elementos que explicam a revisão
para cima do PIB brasileiro.
A terceira é que as primeiras estimativas feitas com os novos dados de
produto trimestral, que foram divulgados há dois dias, sugerem que a
folga de capacidade produtiva (o chamado hiato do produto) está menor do
que se poderia imaginar. Segundo os dados anteriores, o crescimento do
PIB efetivo em 2006 teria sido de 0,86 ponto porcentual (p.p.) abaixo do
potencial, enquanto, pelos novos, foi de apenas 0,03 p.p. O que
significa um hiato tão menor? Significa menor possibilidade de
acomodação da economia a maiores despesas, sem que haja pressões
adicionais sobre a inflação. O investimento passado aumenta a capacidade
produtiva, os gastos de demanda (inclusive os de capital no presente)
diminuem a folga de capacidade, porque leva tempo para que o gasto de
capital permita produzir mais. Manter capacidade produtiva e demanda ao
mesmo ritmo é tarefa sempre difícil.
Não é surpreendente que, ao final do primeiro mandato, o hiato do
produto tenha diminuído. Primeiro, porque a demanda externa reflete o
ambiente externo benigno. Isso tem permitido aumentar as exportações
líquidas em dólares, sem maior sacrifício para o consumo interno, porque
o câmbio de equilíbrio se valorizou, uma vez que os preços externos são
favoráveis. Segundo, porque a parte mais fácil do aumento da demanda
interna, o estímulo ao consumo das famílias, se deve ao aumento das
transferências (que significam renda sem trabalho corrente no aumento da
produção) e à expansão do crédito (que significa consumo corrente em
detrimento do consumo futuro).
Finalmente, porque o governo se tem mostrado particularmente deficiente
em transformar intenções em ações, quando se trata de estimular o
investimento. O aumento da defasagem entre o discurso do crescimento,
que anima os empresários com projetos, e a efetiva criação de capacidade
produtiva, que permitiria acomodar maior demanda sem maiores pressões
inflacionárias, é uma tragédia do governo Lula. Os dois fatores que
estimularam a demanda (transferências e crédito) não são motores de
crescimento de oferta, mas podem até ser suficientes para reeleger Lula
mais uma vez, se não forem acompanhados por elevação da inflação.
O presidente já terá percebido que a preservação do poder de compra dos
mais pobres é essencial para sua estratégia política, mas isso requer
vigilância permanente das pressões inflacionárias. Confirmou a autonomia
do Banco Central para fixar os juros, apesar das críticas constantes de
empresários, de economistas da esquerda em geral, da oposição e de seu
próprio ministro da Fazenda. O sinal é bom. Mas é preocupante que, na
euforia com o crescimento efetivo, este seja confundido com o
crescimento da capacidade produtiva, e não com o maior uso da capacidade
herdada, ou seja, com o aquecimento da economia, plantando a inflação de
2008 em diante.
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